'Não a deixa passar pela porta de entrada primeiro, não em tom rude de quem não tem maneiras, mas pelo simples negar que as boas maneiras se dedilhem em atitudes pequenas. Passa, entra, e agarra a porta que acompanha o movimento de entrada quase poético dela. A porta fecha-se atrás dela, e ele em comoção olha-a, o seu sorriso quase cheio, sincero, arrepiante. Ela imobiliza-se esperando que ele continue as passadas em direcção as bilheteiras. Trocam palavras rasas e esperam numa fila demasiado longa, para um cinema de projecção de ciclos cinematográficos. Desta vez, 'Roman Holiday'. Olhando em seu redor, Will parece perplexo em como mais ninguém sente necessidade de a despir com o olhar, não pelo seu físico, mas pela a maneira como espera, a maneira como olha as coisas, a maneira como absorve toda a energia do ar, sugando a sua energia e a dos outros, sem que ninguém se aperceba. A não ser claramente ele. Com o olhar consegue criar novas cores na sua mente, cores que se dissipam com a sua ausência, e das quais não guarda lembrança depois de se separarem. Sorri, e ela repara. Faz-se silêncio entre eles enquanto um casal atrás fala do filme que irá ser projectado, com ênfase e intensidade, o senhor crítica com quase ridicula paixão as técnicas do realizador. Agora é a vez de ela sorrir. "If life were only like this", diz quase num murmúrio. "He's spitting on my neck", diz ele por sua vez. E aí ela explode numa gargalhada furiosa, contraditória de toda a sua figura. Uma gargalhada rouca, severa, intensa. A antítese do seu físico, mas uma gargalhada que só sobressai a sua beleza, pureza. Uma gargalhada genuína. Ficam na fila por mais uns minutos, em silêncio, até que chegam á sua vez. É ela que faz o pedido, diz nome do filme e realizador. É ele quem paga. Em direcção á banca das pipocas ela passa o braço por cima do ombro dele, em jeito de amizade simples, cumplicidade eterna. Sorri, parece prestes a rebentar de euforismo. Mas chega ao senhor das pipocas e contem-se, altera-se e volta a ser a mulher contida de sempre. Ele de frente para o senhor das pipocas e ela vira-se de repente de frente para ele, observando-o a fazer o pedido, como se observasse um pianista a aprender uma partitura mais dificil que as restantes. Com dobrada atenção, chega até a semicerrar os olhos, nunca deixando de sorrir. Will, em tom de provocação não a olha, limitando-se a ficar em silêncio de frente para o senhor das pipocas sem nada ter pedido ainda. Este totalmente carrancudo alterna o olhar entre ela e ele, ele e ela, sem expressão, vazio, com exagerada antipatia. É a vez dele soltar uma gargalhada, controlada, cínica perante a secura do homem das pipocas e a observação atenta de Lucy. Pede, entram, e sentam-se. Não dizem palavra, não tocam nas pipocas. '
Madalena Tavares
manena-
d .
mais, mais!!!
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